Privatizações, inovação e interesse nacional
A capacidade de inovação de uma empresa depende de vários fatores, quer internos quer de contexto. A nível interno, podemos destacar a sua estratégia, a qualidade dos recursos humanos, o investimento em equipamentos, as actividades de investigação e desenvolvimento (I&D), as redes externas de colaboração, a estratégia de gestão da propriedade intelectual, etc. Quanto aos fatores de contexto, podem estar relacionados com a disponibilidade de recursos humanos qualificados nos mercados onde atua, da existência de entidades produtoras de conhecimento (como as Universidades) e da sua valorização (unidades de interface e de transferência de conhecimento), do bom funcionamento do mercado de capitais, da existência de regras claras de concorrência ou da eficiência do sistema de justiça.
Sendo a economia cada vez mais global, o impacto faz-se sentir nas actividades de I&D e de inovação empresarial, cada vez mais abertas e globais, onde as tradicionais fronteiras geográficas tendem a esbater-se. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm, sem dúvida, um papel decisivo nesta tendência. Não é, portanto, de espantar que parte ou a totalidade da I&D ou da inovação de uma empresa possa ser realizada em qualquer do mundo e em diferentes localizações. Este cenário verificou-se inicialmente mais nas grandes empresas e de atuação multinacional, que deslocalizam e externalizam essas atividades para os países e áreas geográficas onde existem competências, conhecimento e tecnologias disponíveis.
Ou seja, do ponto de vista de uma empresa aumentar rapidamente a sua competitividade pode ser conseguido: a) contratando externamente as atividades ligadas à inovação e à I&D (numa lógica de inovação aberta) - por exemplo, através de acordos com outras empresas, com universidades ou centros de I&D - ou b) adquirindo (comprando) empresas ou entidades detentoras das competências/conhecimento nuclear para a sua atividade. Por exemplo, quando uma empresa portuguesa compra outra empresa noutro país, não é apenas para entrar ou se expandir nesse mercado, mas sobretudo para absorver as competências (recursos humanos e conhecimento) e tecnologia existente e, dessa forma, aumentar a sua posição competitiva a nível global (no passado, tivemos exemplos nas áreas da Energia ou da Distribuição).
O mesmo raciocínio pode ser aplicado de forma inversa. Nos últimos anos, em especial após 2011, são vários os exemplos de empresas estrangeiras a adquirir empresas portuguesas, muitas delas em sectores estratégicos (energia, transportes, tecnologias, serviço postal, etc.). O know-how e as competências desenvolvidas por essas empresas ao longo de vários anos (ou mesmo décadas) estarão, certamente, entre as principais razões para essas aquisições. Entre as empresas adquiridas, há as que se encontravam na esfera pública (de forma direta ou indirecta), tendo aqui o Estado responsabilidade neste processo. Neste caso, é hoje obvio que muitas dessas vendas se inseriram num contexto ideológico de privatizações, dado não existir nenhuma base sustentável de eficiência económica ou de competitividade do mercado. Um exemplo disso é a passagem da rede pública de distribuição de electricidade (REN) para controlo de uma empresa estatal de outro país (China), sem qualquer impacto na competitividade ou eficiência desse mercado em Portugal. Ou o caso do lucrativo Oceanário, que embora concessionada a um grupo privado nacional, não se vislumbra qualquer justificação económica (ou social) para esse ato.
Em muitas destas situações, podemos afirmar já com alguma segurança que, salvo raras exceções, tratam-se fundamentalmente de operações financeiras, com impacto de curto-prazo, sem nenhuma preocupação em manter ou expandir essa base de conhecimento existente em Portugal. Estas operações são óptimas e importantes para as empresas estrangeiras que compram, que potenciam a sua capacidade de inovar (adquirem e absorvem o know-how existente nessas empresas), bom para quem vende (retorno financeiro imediato), mas na maior parte das vezes prejudicial a prazo para a própria empresa adquirida (possível perda de trabalhadores qualificados e desmantelamento de centros de competências) e para o país onde está localizada. Ou seja, receia-se que Portugal esteja a perder muito do conhecimento e das competências desenvolvidas nas últimas décadas em áreas estratégicas de competitividade global. E com isso, a sua capacidade futura de inovar e de se posicionar estrategicamente nos mercados internacionais.
Porém, estas situações não são inevitáveis. Há sempre mecanismos para acautelar o interesse nacional nos processos de venda ou de privatizações. Pelo menos, quando isso é desejado. Em resumo, Portugal precisa de investimento estrangeiro qualificado em inovação e em I&D que tenha impacto na economia e no emprego, e não de investimento estrangeiro que se traduza apenas em transações financeiras de detruição de valor.