Os "milagres" económicos
Tendo já passado dois meses após o final de 2016, é já possível evidenciar de forma mais clara o impacto económico e social da solução governativa existente. Tendo as forças de esquerda sido as mais votadas nas últimas eleições legislativas, em 2016 as prioridades centraram-se na recuperação da economia, na reposição de direitos sociais, na saída de Portugal do procedimento do défice excessivo e no encontrar de soluções para problemas herdados, como a estabilização do sistema bancário ou a recapitalização da CGD. Alguns (por cá e por lá fora) rejeitaram estas prioridades e vaticinaram tempos de trevas.
No último ano assistimos à alteração da estratégia de desenvolvimento económico do país, que no “período troika” esteve assumidamente assente na promoção dos baixos salários e custos do trabalho (que representam apenas cerca de 20% dos custos das empresas). A inovação e a qualificação passaram a ser centrais na política económica. Reforçou-se o investimento público na Ciência, o empreendedorismo, a simplificação e modernização da administração pública, o financiamento ao capital de risco, a recapitalização das empresas ou as relações entre empresas e o sistema científico e tecnológico. Como complemento, acelerou-se a execução dos fundos comunitários, sendo especialmente relevantes as verbas para projetos baseados em inovação e em I&D. A estratégia de desenvolvimento económico está também ligada ao aumento dos rendimentos das famílias, em que o aumento do salário mínimo, a redução da sobretaxa de IRS ou o aumento de pensões são os casos mais evidentes tendo, no global, sido reduzida a carga fiscal sobre as famílias.
E quais os resultados desta alteração de política? Mais défice? Menos exportações? Mais desemprego? Menos confiança na economia? Pelo contrário, de acordo com os factos conhecidos.
A economia cresceu 1,4% face a 2015, para o qual contribuiu em grande parte o saldo externo de bens e serviços, que quase duplicou (passou de 0,7% do PIB em 2015 para 1,2% em 2016). As exportações de bens atingiram um novo recorde (mais €464 milhões de exportações do que em 2015 e mais €2,3 mil milhões do que em 2014). No mercado de trabalho, houve diminuição acentuada da taxa de desemprego (10,2% em 2016, o melhor registo desde 2009), essencialmente explicada pela criação de emprego - ao contrário do que se passou em 2014 e 2015, onde a emigração e os “desencorajados” explicaram grande parte da redução da taxa. Em 2016 foram criados mais de 80 mil postos de trabalho em termos líquidos, apesar da subida do salário mínimo. Ao mesmo tempo, Portugal consegue ter o menor défice em democracia, 2,1% do PIB (3,1% em 2015). O Banco de Portugal menciona que a dívida externa líquida passou de 101,5% do PIB em 2015 para 94,5% em 2016, o valor mais baixo desde 2012.
Não é de estranhar, portanto, que o índice de confiança dos consumidores esteja ao nível mais alto desde 2000 (de acordo com o INE) e que em 2017 as perspetivas sejam ainda mais animadoras. Isto porque se perspetiva um aumento da procura interna (quer via consumo quer via investimento), o que associado a mais um bom ano nas exportações, terá certamente impacto no aumento do PIB.
Em resumo, os resultados já alcançados pela atual solução governativa (que é já elogiada externamente pelo Financial Times, Monocle ou pela OCDE) evidenciam que muitos políticos e economistas (não só nacionais, mas como internacionais e prémios Nobel) tinham razão ao demonstrarem e explicarem que havia alternativa às políticas de austeridade, e que estas teriam efeitos contraproducentes (como o aumento do desemprego ou da taxa pobreza). Isso mesmo é confirmado pelo recente estudo do Instituto alemão DIW, que mostra os efeitos perversos da austeridade em Portugal. Ou seja, é possível ter contas públicas controladas sem diminuir rendimentos ou direitos sociais. E se é possível, como ficou provado em 2016, é legítimo perguntar porque é que isso não foi feito durante o “período troika”, tendo-se optado por seguir uma linha ideológica que em nada beneficiou os portugueses (foi-se deliberadamente “mais longe” do que o memorando de entendimento assinado em 2011).
Não há, portanto, “milagres” em economia. Há opções de política económica, e os consequentes efeitos e impactos dessas opções sobre os cidadãos e a sociedade.
(artigo originalmente publicado em Jornal Económico, 07 de março de 2017)