O regresso do protecionismo?

31-01-2017 23:08

Um dos efeitos da crise financeira internacional de 2008 foi o aprofundar das políticas económicas nacionalistas e protecionistas, bem como o ressurgir dos movimentos anti-migratórios. Embora não seja único, a eleição de Donald Trump é o exemplo mais recente dessas (perigosas) tendências.

Um dos pilares do programa económico de Trump é o aumento das tarifas alfandegárias sobre as importações, de forma a proteger a produção interna e a criar mais empregos (independentemente dessa produção ser ou não mais eficiente). Ora, não só a História demonstra que políticas protecionistas podem ter efeitos perversos, como a atual estrutura económica global não é propícia a essas políticas.

As economias atuais não funcionam da mesma forma que as economias da primeira metade do século XX, onde o protecionismo industrial era frequente. Atualmente, grande parte dos produtos industriais exportados por um país (e mesmo serviços) não são feitos apenas nesse país, mas resultam de uma multiplicidade de componentes fabricados por fornecedores localizados em vários países. No Século XXI, os países funcionam como nós de cadeias de valor globais e de redes internacionais de fornecimento. Por exemplo, quando os EUA diminuem a compra de computadores fabricados na China, regista-se uma queda nas exportações em toda a cadeia de fornecimento desses computadores. Isto significa que não só as exportações chinesas diminuem, como também as exportações dos países onde essas componentes são fabricadas, incluindo as exportações dos EUA, dado que produzem parte dessas componentes.

Por outro lado, um potencial aumento de tarifas sobre os produtos importados poderá tornar a economia dos EUA menos competitiva. Isto porque as exportações de um país estão diretamente ligadas ao custo das matérias-primas importadas e das várias componentes (produtos intermédios) que integram os produtos finais. Por exemplo, se os EUA aumentarem a taxa sobre as importações vindas do México, aumenta também o custo dos produtos finais produzidos nos EUA com matéria-prima ou componentes mexicanos, tornando-os menos competitivos nos mercados globais. Além disso, um aumento de tarifas poderá levar a uma redução da procura interna nos EUA, dado que os consumidores norte-americanos teriam de pagar mais pelos produtos importados do México (mas também pelos produtos feitos nos EUA que integram componentes importadas), diminuindo o seu rendimento disponível para consumir outros produtos. Isto significa que em vez de proteger os empregos na indústria norte-americana, um aumento de tarifas à importação poderá ter um efeito contrário.

A política protecionista e nacionalista de Trump estende-se à imigração, como é o caso do recente decreto presidencial que restringe a entrada (e ordena o repatriamento) de pessoas provenientes de alguns países muçulmanos, incluindo refugiados e cidadãos que já detêm vistos de trabalho nos EUA (green cards). Além de ser imoral e prejudicar gravemente a vida dessas pessoas (como referido na decisão de um Juiz Federal de Nova Iorque que suspendeu temporariamente o decreto de Trump), impedir a entrada de imigrantes pode ser economicamente prejudicial para a economia dos EUA, como alertam os CEO das principais empresas tecnológicas americanas. A circulação de pessoas e do conhecimento é essencial ao processo de inovação.

O impacto destas políticas poderá ser mais grave se houver correspondência por parte de outros países, que poderão retaliar e agir de forma semelhante. Nesse cenário de protecionismo à escala global, certamente voltaríamos a períodos de retração da procura mundial, de recessão económica e de aumento do desemprego, como aconteceu no século passado.

 

(Artigo publicado originalmente em Jornal Económico, 31.01.2017)