2016: inovar para crescer - oito prioridades para a política de inovação em Portugal

31-12-2015 14:31

 

O ano de 2015 culmina um período de prioridade política de consolidação orçamental em Portugal, com a política económica assente em medidas restritivas, com prejuízo para o crescimento e o emprego. O PIB está hoje aos níveis de 2008, o mercado de trabalho tem hoje menos 300 mil pessoas do que em 2011 e os índices de pobreza aumentaram como há muito não se via. Além disto, nem a dívida pública portuguesa diminuiu (pelo contrário, aumentou mais de 20 pontos percentuais) nem se conseguiu colocar o défice abaixo dos 3% do PIB. Estes resultados só podem surpreender quem não levou a sério os avisos feitos por alguns economistas nacionais e internacionais (incluindo prémios Nobel) sobre a perversidade da orientação política para a austeridade.

 

Não é, por isso, sem surpresa que vemos um retrocesso de Portugal ao nível dos principais indicadores de inovação, refletindo o forte desinvestimento (público e privado) no conhecimento, na tecnologia e na inovação. Portugal está hoje aos níveis de 2008 em termos de capacidade de inovação na UE28.  

 

É neste sentido que, nos próximos anos, a política de inovação em Portugal terá de considerar três aspetos. Por um lado, as alterações que se têm verificado na economia mundial nas últimas décadas, nomeadamente a generalização das TIC, o desenvolvimento dos mercados tecnológicos, a externalização das atividades de I&D ou a emergência das redes colaborativas e da inovação aberta. Por outro lado, a persistência das fragilidades estruturais da economia, como o baixo nível de qualificações da população e da classe empresarial ou a fraca incorporação tecnológica da produção e das exportações nacionais. Finalmente, o contexto político e internacional favorável. Voltamos a ter um Governo em Portugal que acredita num modelo de desenvolvimento assente no conhecimento e na inovação (e não em baixos salários), bem como a nível internacional se registam níveis baixos de taxas de juro e dos preços do petróleo. Além disso, existe atualmente uma política expansionista do Banco Central Europeu e elevada disponibilidade de recursos financeiros comunitários para a inovação e a I&D (Horizonte 2020).

 

Em Portugal, a resposta da política de inovação a estes desafios não poderá ser dada apenas através das tradicionais políticas do “lado da oferta”. As políticas terão de ser inclusivas - abrangendo vários atores na sua definição, e difundindo os seus benefícios pela sociedade - e abertas à colaboração e cooperação com as empresas e os cidadãos, num processo interativo. Desta forma, propõe-se oito orientações estratégicas para uma política de inovação de nova geração para o período 2016-2020:

  1. Aprofundar a Economia Digital, potenciando as infraestruturas digitais e o desenvolvimento de novos serviços para as empresas, cidades e territórios, bem como promovendo a literacia digital e as competências em TIC;
  2. Reforçar a política de clusters, como motores da alteração do perfil de especialização da economia, de internacionalização, de criação de dinâmicas de inovação e de resposta aos desafios societais de Portugal (cidades, envelhecimento/saúde, recursos marítimos, tecnologias limpas, etc.);
  3. Promover a inovação colaborativa, privilegiando os projetos de natureza colaborativa nos instrumentos públicos de financiamento; envolvendo os utilizadores no processo de inovação (user innovation); capacitando a Administração Pública com centros de inovação e plataformas colaborativas;
  4. Incentivar o empreendedorismo empresarial, apoiando a comercialização do conhecimento e das ideias geradas pelos trabalhadores das empresas. Devem ser facilitados os mecanismos de criação de spin-offs e de start-ups pelos trabalhadores, bem como promovida a utilização de formas mais flexíveis de gestão da propriedade intelectual; 
  5. Requalificar as instituições de interface, como os Centros Tecnológicos, Laboratórios de Estado, Laboratórios Associados, entidades de transferência de tecnologia e outras entidades de I&D. Estas entidades são fundamentais para o aumento da capacidade de absorção de conhecimento pelas empresas, bem como para a articulação estratégica entre as empresas e as entidades produtores de conhecimento, como as Universidades;
  6. Facilitar os mecanismos de financiamento para empresas, nomeadamente o acesso ao capital semente e de risco. De referir a importância das fontes alternativas de financiamento, como o crowdfunding e o mercado secundário de capitais, em especial para as PME e start-ups;
  7. Desenvolver a Diplomacia para a Inovação (innovation diplomacy) numa dupla vertente: i) promover o país como alvo de investimento internacional na ciência e nas áreas tecnológicas; i) apoiar a internacionalização da inovação com origem nacional. Para tal, deve ser utilizada a rede de representação externa de Portugal;
  8. Aumentar a eficácia da coordenação da política de inovação: clarificando a missão de cada organismo público (atualmente existem diferentes entidades com missão de promover a inovação - IAPMEI, ANI e FCT); colocando a coordenação da política de inovação ao mais alto nível político, numa perspetiva sistémica e holística. A existência atual de um Conselho Nacional para a Ciência e outro Conselho para a Inovação evidencia a divisão entre “ciência-economia” e uma visão linear do processo de inovação.

 

Em suma, o desenvolvimento da política de inovação em Portugal deve adotar uma abordagem mais aberta, tirando partido dos progressos alcançados e dos recursos que o país acumulou nas últimas duas décadas, nomeadamente em termos de infraestruturas (incluindo na I&D e na ciência) e de recursos humanos. Esta perspectiva está em linha com as recomendações da UE em termos de política de inovação (Comissão Europeia, 2014), que indicam que as políticas públicas nacionais devem favorecer o desenvolvimento das atividades de inovação aberta, num contexto de competição global.

 

(este artigo foi escrito com base no artigo “Prioridades para a Política de Inovação”, publicado no Cadernos de Economia nº 112, de Setembro de 2015)