A explicação do milagre económico...ou uma análise da evolução das exportações

16-11-2013 23:02

 

Nos últimos tempos tem havido quem defina o comportamento das exportações das empresas portuguesas como um “milagre económico”, destacando a forte variação que se tem registado nos últimos anos. Dado que a definição de “milagre” se refere a um “acontecimento dito extraordinário” (sem explicação plausível), poderia dizer-se que a evolução das exportações se enquadrava nesta definição de “milagre”, enquanto algo extraordinário e fora do normal. 

Há também quem afirme que o desempenho das exportações se deve à necessidade das empresas portuguesas em reagirem à diminuição da procura interna e à recessão que se tem registado em Portugal nos anos mais recentes (anos de 2009, 2011, 2012 e previsivelmente em 2013), procurando outros mercados. Contudo, convém analisar em detalhe o que se tem passado com as exportações (e com as importações) numa perspetiva mais alargada, de forma a obter um maior rigor na análise.

Se considerarmos o período 1996-2012, e considerarmos uma análise a preços constantes (eliminando, assim, o efeito da variação de preços), constatamos que as exportações tem mantido uma tendência crescente e sustentada, não havendo nenhuma “evolução extraordinária” nesse período, muito menos nos últimos anos:

  • No período 1996-2012, as exportações tiveram uma variação global de 95%, enquanto que nas importações a variação foi de 58%. Esta diferença explica-se pela forte diminuição das importações registada a partir de 2008 (ano de início da crise internacional), reflexo da quebra acentuada do rendimento disponível das famílias e da procura interna, que levou mesmo a que em 2012 o saldo da balança comercial fosse positivo;

  • Se eliminarmos o efeito da crise internacional, ou seja, se considerarmos o período entre 1996-2008, constatamos que a variação das exportações foi de 82% e o das importações 87%, com prejuízo para o saldo da balança comercial;

  • Após a recessão de 2009, as exportações voltaram ao registo anterior de crescimento (cresceram 9,4% em 2010 e de 7,3% em 2011), ao contrário das importações, que iniciaram uma tendência de decréscimo (7,3% em 2010 e -5,8% em 2011);

  • Ou seja, a crise internacional de 2008 não teve impacto negativo nos anos seguintes sobre as exportações (cuja variação atingiu os 95% em 2012, face a 1996), mas teve um grande impacto na diminuição das importações (cuja variação passou de 87% em 2008 para 58% em 2012, em relação aos valores de 1996), neste caso devido ao efeito da diminuição da procura interna.

 

Podemos também reforçar a afirmação de que não há nenhum movimento anormal das exportações nos últimos anos se analisarmos a sua evolução por períodos (a preço constantes):

  • Os períodos em que se registaram maiores variações das exportações foram entre 1996-2000 (+32%) e entre 2005-2008 (+21%), neste último caso resultado da estratégia de diversificação dos mercados de destino, privilegiando o espaço extracomunitário, nomeadamente América Latina (Venezuela, Brasil, México..), Ásia (China e Índia), África (Angola, Moçambique e países Magreb) e Leste europeu (Rússia). Em 2006 a taxa de crescimento das exportações foi de 11,5% e em 2007 de 7,8%;

  • Entre 2000-2005, as exportações cresceram 14%, não tendo sido afetadas pela recessão económica de 2003 (aliás, tanto as exportações como as importações cresceram nesse ano);

  • Entre 2010-2012 foi o período onde as exportações tiveram uma menor variação global, com destaque para o ano de 2012, onde cresceram apenas 2,4% face a 2011;

Fonte: elaboração própria, a partir de dados da PORDATA

 

Se analisarmos as exportações em percentagem do PIB (entre 2000-2010 ), constatamos que foi após 2005 que o rácio se situou acima dos 30%, tendo atingido o melhor ano em 2008, com 33% (de salientar que, entre 2005-2008, registou-se crescimento simultâneo do PIB e das exportações). Em 2009, houve uma diminuição do PIB e das exportações, esta com queda mais acentuada, o que levou a uma diminuição do rácio exportações/PIB para os 28,5%. Em 2011 e 2012, a forte queda do PIB e a manutenção das taxas de crescimento das exportações elevou o rácio para os 36,3% e 39%, em 2011 e 2012, respetivamente. 

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do INE e Banco de Portugal

 

Face aos dados analisados, pode-se afirmar que os dados positivos das exportações em 2013 não tem nada de extraordinário face ao histórico que se tem registado em Portugal, devendo-se nos próximos anos esperar a continuação da sua tendência de crescimento - não só devido ao crescimento das economias dos países de destino, mas também pelo aumento desejável da procura interna (principalmente após 2015). Quanto às importações, o dinamismo da procura interna deverá criar pressão para o aumento das taxas de crescimento, invertendo a tendência de diminuição que se regista desde 2010, com consequente agravamento do saldo da balança comercial.

Quanto ao rácio exportações/PIB, não é expectável um aumento muito superior ao registado em 2012, a não ser que haja uma forte diminuição do PIB nos anos seguintes (e sabe-se já que 2013 será novamente ano de recessão, ou seja, de redução do PIB e consequente melhoria do rácio das exportações). Caso haja aumento do PIB (em 2014 e anos seguintes) e continuação do aumento das exportações, a tendência será para uma diminuição do rácio exportações/PIB ou um ligeiro aumento, dependendo das respetivas intensidades de variação.

Em resumo, o rácio exportações/PIB acima de 50% em 2020 (meta defendida pelo atual Governo já em 2012), só pode ser atingido por duas formas: pela continuação da redução do PIB nos próximos anos (ou seja, continuação de anos recessivos, com as exportações a manterem o ritmo de crescimento, como vai acontecer este ano); ou pelo aumento da taxa média anual de exportações entre 6%-8% até 2020, considerando um aumento do PIB até 2020 de pelo menos 2% ao ano (taxa prevista na Estratégia de Fomento Industrial). Esta última hipótese só será plausível com a retoma da “Agenda da Inovação”, entretanto abandonada, que estimule o empreendedorismo qualificado, o investimento em Ciência e Tecnologia, as exportações de maior valor acrescentado e o aumento do número de empresas que exportam, o que só se espera que aconteça com um novo ciclo político e uma nova política económica (já que com "milagres" não vamos lá...).