A preocupante contração da Investigação e Desenvolvimento (I&D)

18-10-2014 16:48

 

São já conhecidos os resultados do IPCTN para o ano de 2012 (Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional), que faz uma análise ao investimento realizado em I&D em Portugal. Os dados disponíveis confirmam o que se esperava – um forte desinvestimento público e privado em I&D nos últimos anos, em especial no período “troika”. Ainda sem serem conhecidos os dados para 2013, os dados disponíveis mostram que a I&D (pública e privada) passou de 1,60% do PIB em 2010 para 1,41% do PIB em 2012, ou seja, um recuo de quase €440 milhões de euros (-16%), apesar da forte queda do PIB nesses anos (-1,8% em 2011 e -3,3% em 2012).

A análise por tipo de entidade indica que o desinvestimento foi transversal a todas as entidades: as empresas investiram menos 10% em I&D entre 2010-2012, as entidades do Estado -37%, o Ensino Superior -17% e as Instituições Privadas Sem Fim Lucrativos -30%.

 

Fonte: cálculos a partir de DGEEC (2014), IPCTN 2012, MEC

 

Se do lado das empresas estes cortes são compreensíveis, dadas as dificuldades financeiras e de investimento no período “troika” - aumento da carga fiscal (IRC), forte queda da procura interna (fruto da diminuição do rendimento disponível das famílias) e comportamento medíocre das exportações (em 2012 as exportações cresceram 3 vezes menos que em 2010, por exemplo) – já os cortes do lado público (Estado e Ensino Superior) resultam de uma clara opção política, com a Ciência e a I&D a não serem consideradas como áreas prioritárias para o crescimento e competitividade da economia.  

Cerca de metade dos €440 milhões de cortes na I&D entre 2010-2012 foi com despesa com pessoal (€218 milhões), tendo sido os restantes cortes relacionados com equipamentos e instrumentação (cerca de €60 milhões), despesas correntes (€82 milhões) e instalações/construção (€70 milhões). Estes números traduzem, em parte, a perca de mais de 2000 pessoas afetas (a tempo integral) às atividades de I&D entre 2011 e 2012 em Portugal, das quais cerca de metade estavam afetas ao Estado. 

 

Este desinvestimento em I&D é preocupante por várias razões:

  • Portugal está longe da média da UE28 em termos de I&D (onde 2% do PIB europeu são afetos à I&D), sendo necessário um claro esforço público e privado para recuperar do atraso registado;
  • Tradicionalmente, Portugal sempre investiu pouco em atividades de I&D, tendo sido apenas em 2007 que Portugal ultrapassou (pela primeira vez na sua história) 1% do PIB afeto à I&D. Entre 2005-2011 Portugal conseguiu atenuar o enorme atraso face à média europeia;
  • O sistema científico e tecnológico nacional (SCTN) é recente em Portugal (pouco mais de 15 anos), fruto de uma clara aposta das políticas públicas na Ciência e na Inovação. Outros países europeus tem décadas de investimento em I&D e infraestruturas de suporte consolidadas (já para não falar nos EUA ou Japão);
  • Cerca de metade do investimento em I&D é realizado pelas empresas (a outra metade é da responsabilidade das entidades públicas – Estado e Ensino Superior - e IPSFL) quando na OCDE as empresas são responsáveis por 2/3 do total da I&D;
  • A I&D feita em Portugal tem vindo a ser reconhecida internacionalmente nos últimos anos, em resultado dos vários projetos de investigação que tem vindo a ser desenvolvidos na última década.

 

Ou seja, os cortes efetuados em I&D e agora divulgados entre 2010-2012 podem comprometer alguns dos avanços que Portugal alcançou nas últimas duas décadas, sabendo-se que os países com melhores resultados nestas áreas são aqueles que investem continuadamente nas atividades de I&D e na qualificação (ou atração do exterior) de pessoal qualificado. Neste sentido, é importante retomar o apoio à Ciência, à I&D e à Inovação, sem o qual será muito difícil a criação e consolidação de massa crítica, de rotinas de investigação e de inovação e de uma cultura de inovação colaborativa entre as entidades do SCTN e as empresas. 

Além disso, Portugal assumiu (e bem) o compromisso de atingir uma percentagem do PIB afeto à I&D entre 2,7% e 3,3% do PIB até 2020. Este compromisso consta do Programa Nacional de Reformas entregue em Bruxelas em abril de 2011 (denominado na altura de programa “Portugal 2020”), e cujas metas foram mantidas nos anos posteriores. O que os dados atuais do IPCTN nos mostram é que esse compromisso não será atingido, mesmo conhecendo apenas os dados de 2012. Isto porque em 2013, 2014 e do que se conhece do Orçamento do Estado para 2015, não se espera uma melhoria dos indicadores afetos à I&D. Pelo contrário, são conhecidas as restrições orçamentais a que as entidades do SCTN estiveram (estão) sujeitas nestes anos.  

Estes dados deixam um alerta para o pós-2015, onde se espera um novo ciclo político orientado para o crescimento baseado na inovação, na qualificação e no conhecimento.